quinta-feira, 31 de março de 2011

Pedra no meio do caminho

Sabe aquela "cara-de-sol"? Um sorriso forçado, os olhos puxados, tudo por conta do ângulo dos raios solares na vista de quem caminha pela rua? Então, o rapaz, de sport chic, como dizem, cabelo meio penteado meio bagunçado, andava desse jeito pela calçada.

Com os pensamentos que ultrapassavam a lua, começou a chutar pedrinhas. Até que uma, com formato perfeito e cor diferenciada, chamou a sua atenção. Assim, o desafio estava lançado: irar chutar aquela pedrinha até chegar em casa, não importava quantos contratempos encontraria. Praticamente uma Odisseia.

Começou a saga. Chutando, chutando e tendo dificuldades em atravessar ruas. Chegava perto da calçada e dava uma bica na tentativa da pedrinha pegar alguma altura. Até então, estava dando certo.

No meio do caminho. Exatamente no meio do caminho algo acontece. Num chute um pouco mais forte, a pedrinha bate em um trinco da calçada e sobe no ângulo de 90º, em direção ao céu. Subiu de maneira perfeita, na velocidade certa, na altura certa, para ele dar o chute mais forte que já deu em toda a sua vida, mandando aquela pedrinha pro espaço, transformando-a em um meteoro, tempos mais tarde.

Os olhos, que nem ligavam mais para o sol, brilharam. A pedrinha pegaria no peito do pé, o timing permitiria que tomasse impulso e que ainda ajustasse a posição do corpo para usar a canhota, que era a perna mais forte e menos desengonçada. Era aquele o momento. Podia pegar em alguém, mas tudo bem, esse alguém entenderia. Não se pode perder uma chance dessa.

E ele errou.

Não fosse o bastante, errou e deixou a pedrinha cair barranco abaixo, no lado esquerdo mal acabado da calçada. Viu-a quicar, quicar e quicar até encontrar um matagal medonho que ali tinha. Olhou para os lados para ver se poderia compartilhar de seu desespero com mais alguém. A rua estava cheia, mas todos pouco ligavam para o que (não) viram.

Sentiu uma solidão e uma angústia incríveis. Não restava muita coisa a não ser continuar o seu caminho e mudar o desafio para algo mais simples, como não pisar em riscas da calçada.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Mizuno

Era uma família humilde e trabalhadora. Colocando as coisas em ordem, a prosperidade viria. Aos poucos, mas viria sim.

Com muitos irmãos para comprar roupa, a moda nunca foi uma das prioridades. Os de idade parecida, inclusive, se vestiam iguais.

- Vamos comprar um Mizuno para cada um. - disse a mãe.

Ela parecia empolgada. Pegou os filhos e foi para um loja de tênis.

A loja era grande, muitas marcas e variedades. Mas parecia clara a regra:

- Escolham um Mizuno.

Sem entender, cada um escolheu um modelo de Mizuno. Seria algum tipo de parceria ou desconto? Por que exatamente Mizuno?

Tinha o de 15 anos. Mizuno não fazia seu tipo, mas tudo bem. Escolheu um azul, grande.

***

Chegou na escola, o pessoal elogiou. Mas ficou sabendo que, com o valor do mesmo, compraria de dois a três pares de Allstar.

***

- Mãe. por que tinha que ser Mizuno?

- Não gostou, filho?

- Gostei sim, mãe. Mas só para saber. Tinha que ser?

- Ah, era meu sonho os filhos andarem com um par de tênis bom cada, da moda.

- Então podia ter escolhido outro?

- Mizuno não é o melhor?

- Ah, é bom sim, mas... bom, tudo bem, era só pra saber.

O tênis durou uns bons meses. Em seguida, teve seu primeiro Allstar. Que durou bem menos, inclusive.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

2003

Ai, como achei feio aquele muro todo pichado, logo na entrada da escola. Mas que recepção! Assim, à primeira vista, em meu primeiro ano. Pensava que era vandalismo, que só poluia nossas vistas.

Primeiro ano começa. Ai, que medo que tinha das aulas do Aldo. E que muito medo que tinha das da Cleide. Noofagia, disquete mental, e coisas assim. E da segunda? Camões, chamadas orais, voluntariedade forçada ("Vamos! Cadê os voluntários da pátria amada! Já sabem, não falam, eu sorteio e dou nota! Errou é I"), Teatro...ah, o teatro.

Onde em minha vida seria eu Julieta! Sim...Julieta...e uma boa Julieta. Tão boa que apresentei de novo na semana da casa aberta. Um aluno que não sei quem é de uma escola que não sei qual é me chamou por um nome sinônimo de "encorpada".

O que posso dizer das nossas colas? Éramos criativos....era respostas de física nas lâmpadas do teto, eram textos de biologia gravados em um cd, fórmulas de química em etiquetas adesivas, livros abertos descaradamente...

Como tudo que é bom acaba, vem o segundo ano. Começa o técnico também...dia inteiro na escola... e reclamo? Seria injusto reclamar. O almoço com os amigos era mais que divertido. E as colas continuavam: fórmulas de mecânica em calculadoras e muito mais.

Aulas que davam sono, peças que matávamos, professores mais que aloprados, videos do chaplin...

Ai ai...ai vem o terceiro o ano...o ano que acaba tudo, tanto o técnico quanto o médio.

Mas sombras dos passado já voltam a atacar. Como assim? Voltam as aulas da Cleide e as do Lúcio.

Mas o terceiro ano foi especial pelo extraclasse.

O que quero dizer?

Comecemos pela gincana...dança do vira, musicas do sandy e junior, professoras que se tornam crianças novamente. E como arrecadamos alimento nessa gincana.

Agora pense comigo... Quem mais, se não nós, faria uma passeata a favor do pastel de queijo? Montinho em professores? Montinhos no mascote do time de basquete? Ficar até 23:00 na escola pra fazer uma aranha-robô? Anunciar no shopping para chamar o "professor Janjão"? Ir a um workshop em São Paulo, sendo que a única informação sabida era que seria no NOVOTEL (que achávamos que era Novo Hotel)?

E, como tudo que é bom um dia acaba, veio o ultimo dia de aula. E que tristeza. Não entrarei em detalhes. O que importa escrever é o que pensei "fiz tanta coisa aqui, conheci tanta gente epecial aqui, aqui foi tão especial e aqui não tem nada de mim".... escrevi "Z 2003" em um tijolinho da parede na entrada ..e isso me alivou um pouco.

Por Fabio Zelenski, em 12 de dezembro de 2003, para o site http://www.infotronicaetepv.hpg.com.br/

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Meu caminho

A cidade grande faz a gente pensar. O desenho da calçada ainda mais. Ou só pisa no branco ou só no preto. Na linha, nem pensar!

O legal de São Paulo são aquelas guias em altorrelevo para cegos no chão. Você vai andando, seguindo as curvas, arrisca fechar os olhos pra ver se  consegue andar sem olhar. É uma forma de distrair a mente dos problemas.

Vou andando, com a mente nas nuvens, em linha reta, na guia para cegos. O espaço é só para um. Se cegos estiverem com amigos, têm que andar em fila indiana.

Com sucesso, vou andando de olhos fechados. Abro-os só para garantir que estou no caminho certo (e de que não estou no meio da rua, prestes a ser atropelado). A 50 m vejo um pivete, na mesma guia que eu, mas no sentido oposto.

Não era justo. Que preocupações tinha aquela criança? Ela não precisa dessa terapia. Não precisava, mas estava lá, determinada. Cara marrenta, bico feito.

Mas espera. E eu? Não podia pisar fora, no preto nem no branco. Se ela estava determinada, eu também estava. Segui em frente, com o passo acelerado. O pivete largou do braço da mãe e também aumentou a velocidade.

E agora?

Perto dos dois metros, paramos ambos. Encaramo-nos.

Tentei mas não resisti, sai do caminho, que ela, orgulhosamente, seguiu em frente, sem sair da guia, nem pisar no preto nem branco. E eu, humilhado e derrotado, pisava em todas as cores e riscos possíveis.

Olhei adiante e tinha um grande caminho ainda. Não retomei ao jogo. Fui andando, pensando nos problemas. Não valia mais à pena.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Valores

A mãe andava com a cabeça das nuvens. Mil preocupações a desviavam de qualquer atenção, de qualquer coisa que acontecesse na rua. Contava com a sorte para não bater a cabeça em uma placa ou tropicar na calçada. Contas, marido, estudos, trabalho, estresse, filha... filha!

A pequerrucha estava lá, de mãos dadas, dando três passos a cada passo da mãe. Suava para acompanhar o mesmo ritmo adulto de andar.

De repente, a filha para.

- Que foi, Mariana?
- Olha! Flores!
- Onde?

Por cima do muro, belas flores rosas invadiam a rua.

- Eu não alcanço.

Era trágico para a criança. Como flores tão bonitas podem estar tão inacessíveis?

- Deixa filha, precisamos ir.
- Mas... mas...

Aquilo doeu o coração da filha, que foi invadido por uma grande agonia. Fez exatamente o mesmo olhar que mãe fazia há pouco, quando estava com a cabeça atolada de problemas. Aquele era o grande problema para filha, que a atormentava da mesma forma que os problemas de adultos atormentavam a mãe.

- Peraí.

Ergueu a criança para que conseguisse pegar a flor.

- Peguei!

Colocou a filha no chão, que pôde, assim, seguir adiante, com o coração mais aliviado.

domingo, 24 de janeiro de 2010

My Generation

A ocasião não era das melhores: um velório e, posteriormente, o enterro. Com seus quase 40, havia falecido.

Na sua vida, fizera diversas coisas relacionadas ao rock: tivera bandas, organizara eventos, debatera assuntos relacionados à música... e fizera amigos, muitos amigos.

No velório, se viam pessoas de cabelos grisalhos, mas com uma tatuagem no braço ou perna. Se viam famílias, com pirralhos filhos, com camisetas do AC/DC. Outros também com quase 40, ou mais, com all star e calça jeans.

É uma geração de amigos. Um tio de 40 anos que falece, por muitas vezes, quem comparece ao velório e enterro é somente a família. Mas não era o caso. Lá estava lotado de amigos ou simpatizantes do trabalho feito em vida. E, claro, família.

Apesar da triste ocasião, um pingo de felicidade surge ao ver essa geração que não curte a vida apenas quando se tem os vinte e poucos anos, mas, sim, leva consigo até o final da vida a ideologia e desejos que surgem na juventude.

É de invejar e aprender.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Um pouco sobre a morte e o amor

A minha primeira máquina fotográfica. A segunda, eu teria dez anos depois, digital já e comprado com o meu próprio dinheiro. Mas a primeira veio bem antes, praticamente descartável, comprado com o dinheirinho suado de minha mãe, tanto a câmera quanto o filme e, posteriormente, a revelação. Dinheirão, no fundo.

Nunca, em toda a minha curta vida, havia fotografado nem tive a minha disposição 24 poses. Sim, era tudo meu e não sabia por onde começar. Aos 8 ou 9 anos, qualquer casa é gigantesca e assunto para clicar não falta.

Comecei com o meu irmão e seu amiguinho inseparável (que, na verdade, se separaram assim que nos mudamos), vizinho nosso. Lembro deles até terem um projeto de dupla caipira, com uma música plagiada (eles cantavam assim e juravam que eram os criadores da canção: "Amigos para sempre é o que nós iremo sê..."). Sim, eram mais novos do que eu. Mas, plagiadores ou não, posaram bonito para a foto, no mais fiel estilo Xitão e Chororó.

Em seguida, fiz uma foto bonita da minha mãe. Ela preparava um panelaço de macarrão pra todo mundo lá de casa. Mais tarde, cliquei a gente comendo. Delícia.

Meu pai entra em cena e registro um abraço bonito que deu na minha mãe. Vendo os dois, lembrei dos meus avós, que moravam na casa ao lado, no mesmo terreno. Fui chamá-los.

- Vó, vô. Deixa eu tirar uma foto de vocês? Deixa?

A vó responde, um tanto tímida:

- Foto, agora? Não pode ser depois?

Eu cresci com essa vó.

- Não, cadê o vô? É pra tirar com ele. Vô!

E puxei os dois para o quintal, a luz lá era melhor.

Fui enquadrá-los para o retrato ficar bem bonito, mas reparei que estavam distantes um do outro.

- Junta mais. - pedi.

Deram um passinho minúsculo.

- Não, mais! Vô, abraça a vó.

A vó deu um sorriso amarelo. O vô também, com sua dentadura de dentes brancos. Minha mãe que estava do lado me disse séria:

- Tira a foto assim mesmo.

Obedeci e tirei. Sem entender, destraí-me e fui gastar as poses que ainda restavam com outras coisas. Afinal, não havia fotografado a nossa cadela vira-latas de quase dez anos.

***

Alguns anos depois, já de barba na cara, fui xeretar as fotos antigas, guardadas em caixas de sapato, e achei essa foto que fiz dos meus avós. Minha vó já havia morrido. Observei a cara de sem-graça deles e caiu a ficha. Lembrei-me de outros detalhes dos dois: dormiam em quartos separados, nunca os vi dando beijos ou de mãos dadas...

Como sempre vi meus pais juntos e felizes, pensei que não seria diferente com os meus avós. O amor deve ter ido passear naqueles tempos.

***

Minha vó faleceu devido a um câncer. Foram meses de sofrimento para todos. Eu tinha quase 15 anos, lembro de estar com a minha vó, que cochilava no quarto dela enferma, e escutar, ao fundo, meu vô na cozinha rezando:

- Meu Deus, ajude a minha  véia. Ajude a véia.

E o amor, de repente, volta.

***

Nunca havia ido em um velório antes. Era de manhã e eu não estava em casa. Meu irmão me liga:

-  A vó faleceu.

Calmo, avisei os presentes que me ausentaria, sem explicar nem demonstrar nada.

Cheguei em casa e, de carro, fomos ao velório. Eu estava calmo e são.

Ao entrar no velório e ver a minha vó no caixão não aguentei. Olhei um pouco para ela e logo sai. Lá fora, meu padrinho aparece e me abraça. "É um ciclo... um ciclo", diz. E comecei a chorar, sem saber o certo porque. Afinal, pela manhã eu já havia entendido que ela havia falecido.

E chorei quando foram enterrar também. Parecia que levariam ela embora só naquela hora, mesmo sabendo que ela já tinha ido de manhãzinha.

Antes de fechar o caixão, meu vô copia o gesto do meu tio e dá um singelo beijo na testa de minha avó.

E o amor se fortalece.